sexta-feira, 14 de agosto de 2009

As palavras de um arquitecto...

"Longe vai o tempo em que os arquitectos eram uns ilustres desconhecidos, dir-me-ão. Não sou, porém assim tão velho que não me lembre que há vinte anos ainda era assim...

Qualquer jovem estudante que então resolvesse seguir a via da arquitectura podia ter a certeza de ver a sua mesada cortada por um pai tirano e desgostoso. As pessoas em geral ignoravam a profissão ou olhavam-na com desdém considerando-a própria de indivíduos lunáticos.
Muitas vezes nem na obra sabiam o que era um arquitecto. Uma vez fui apresentado a um empreiteiro: "Aqui este senhor é arquitecto, sabe?". Silêncio prolongado... Via-se que o homem não tinha compreendido. Por fim, fazendo um visível esforço intelectual, perguntou: "Arquitecto, mas de quê? De engenharia?"

Quando aparecíamos na obra despertávamos uma catadupa de sentimentos contraditórios entre o pessoal, que não sabia sequer como nos havia de tratar, mas que invariavelmente nunca punha o título atrás do nosso nome. Era mais ou menos assim: "Ó Sr. Zé, não viu o Sr. Engenheiro?" (o Sr. Zé era este vosso humilde criado...)
Durante muitos anos os arquitectos ou lá o que quer eles fossem situaram-se abaixo da linha de terra na construção civil em Portugal. O topo era ocupado pelos engenheiros, está claro. Sim, porque eram eles que faziam os projectos; eram eles que dirigiam as obras; eram eles que assinavam os termos de responsabilidade. Um engenheiro tinha que estudar, tirar um curso... Bom, o arquitecto parece que também tinha mas não é bem a mesma coisa!

Num nível mais avançado somos confundidos com os engenheiros, o que sendo até isonjeiro para nós nunca nos agradou muito. Sempre lutámos pela autonomia da nossa profissão e pela separação das competências. A luta (ainda) continua...

Mas os tempos mudaram e aos arquitectos de hoje é-hes reconhecido um papel social e profissional proeminente, dir-me-ão outra vez. Pura ilusão! Ainda subsistem, escondidos na penumbra, alguns focos de resistência feroz que teimam em clamar pelo regresso ao passado! Querem ver?

Recentemente fui apresentar um projecto a um cliente. Chegado ao local (uma empresa), identifiquei-me junto da recepcionista e pedi-lhe para me anunciar ao director. Ela pegou no telefone e, olhando para mim com os rolos do projecto debaixo do braço disse: "Sr. Director, está aqui o Sr. Engenheiro com o projecto." Fiz prontamente sinal com a mão e disse em voz baixa: "Olhe que eu não sou engenheiro". "Não faz mal", sussurrou a menina enquanto tapava o bocal do telefone com a mão. "Eu não digo nada ao Sr. Director!"


(retirado de: OBVIOUS um olhar mais demorado)

Nenhum comentário:

Postar um comentário